terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Biologia molecular e o diagnóstico clínico

Como a biologia molecular modificou o diagnóstico clínico?
A evolução na área da biologia molecular modificou e aperfeiçoou o diagnóstico na prática médica e, ainda, é um processo que está em andamento. As técnicas como a microscopia e a sorologia, rotineiramente utilizadas no diagnóstico de diversas doenças que envolvem a pesquisa e detecção de antígenos e anticorpos específicos, além de serem limitadas e pouco específicas, não permitem uma diferenciação entre infecções prévias e recém adquiridas, dificultando o estabelecimento de cura e tratamento eficaz.
Quais foram os fundamentos que permitiram essas mudanças?
Desde a determinação da estrutura do DNA, feita por Watson e Crick, em 1953, até os dias de hoje, inúmeros avanços alavancaram a explosão de conhecimentos da biologia e genética moleculares. As técnicas de biologia molecular e DNA recombinante estão contribuindo para o aperfeiçoamento dos métodos de pesquisa de marcadores biológicos específicos para o diagnóstico das doenças infecciosas. Essas técnicas de biologia molecular têm contribuído não só para o aprimoramento de abordagens que detectam a presença do patógeno no hospedeiro ( identificação de seqüências de ácidos nucleicos específicas dos patógenos) como, também, de abordagens que indicam a exposição ao agente infeccioso neste hospedeiro (detecção de anticorpos a partir de antígenos recombinantes específicos).
Dentre as principais técnicas de biologia molecular utilizadas no diagnóstico clínico, destacam-se as técnicas de Southern-blot, Northen-blot, Western-blot além do processo de hibridização in situ, onde cortes histológicos obtidos de amostras recolhidas a partir de biópsias, autópsias ou esfregacos são hibridizados com sondas moleculares específicas. As sondas podem ser utilizadas para detecção e identificação da espécie e/ou cepa de um organismo em cultura ou amostra clínica para fins epidemiológicos e, principalmente, no diagnóstico clínico. Essas sondas de DNA espécie-específicas já vêm sendo utilizadas há alguns anos para identificação e caracterização de uma variedade de bactérias, parasitas e vírus.
Foi na última década, no entanto, que as técnicas de clonagem, de produção in vitro de DNA, a reação em cadeia da polimerase (PCR) e de seqüenciamento de material genético ficaram mais acessíveis e eficientes. O PCR, que é o método de amplificação do DNA alvo por meio de um processo enzimático que utiliza um par de oligonucleotídeos específicos ( primers ou iniciadores), é de alta sensibilidade. A técnica do PCR tem sido muito utilizada para o diagnóstico de doenças importantes com a detecção do vírus das hepatites virais, HIV, HTLV-I e II , rubéola, mononucleose, Mycoplasma.
Recentemente tem sido utilizada para a detecção de RNA mensageiro para citocinas, além de empregada em estudos de parasitas como o Plasmodium, Leishmania , Trypanosoma, Toxoplasma gondii, Giardia e outros. No caso da AIDS, o PCR vem sendo muito utilizado para monitoramento da carga viral .e resistência anti-retroviral. O advento dos recursos que a biologia molecular oferece em a nível de diagnostico clínico, está trazendo informações importantes, que, sem dúvida, serão crucias na prática médica. O projeto Genoma Humano é uma das conseqüências dessa revolução tecnológica. No entanto, essa tecnologia avançada tem que estar subordinada a princípios éticos, sem os quais a genética pode ser extremamente danosa ao indivíduo e à sociedade.
Quais seriam os principais impactos da biologia molecular no diagnóstico clínico?
Para as doenças genéticas, a classificação molecular, ou seja, baseada no defeito detectado no DNA, alterou inteiramente muitas das classificações nosológicas existentes até há poucos anos, que eram baseadas em elementos clínicos e de outros exames complementares. Dessa forma, foi possível definir, por exemplo, a ocorrência de uma doença, diferentes genes envolvidos, que é o que se denomina heterogeneidade genética. Como exemplo, temos a esclerose tuberosa, autossômica dominante, sendo identificados dois genes (TSC1 e TSC2), localizados em diferentes cromossomos; Síndrome de Bardet-Biedl, autossômica recessiva, até o momento pelo menos cinco genes localizados em diferentes cromossomos (2, 3, 11, 15 e 16);Síndrome de Leigh e outras.Em algumas doenças, existe uma boa correlação entre a alteração do DNA e o fenótipo, ou seja, a mutação encontrada é preditiva do quadro clínico. Em outras, isso não acontece, o que faz suspeitar que outros genes ou fatores ambientais interfiram com a caracterização fenotípica. Como exemplo, podemos citar a adrenoleucodistrofia, recessiva ligada ao X.
O estudo das bases genéticas de doenças de alta prevalência é bastante promissor e está apenas começando. Para algumas condições, como a doença de Alzheimer, os fundamentos genéticos já foram bem estabelecidos, enquanto que para outras, como as doenças psiquiátricas, os resultados foram até o momento pouco conclusivos. Condições como esclerose múltipla, hipertensão arterial, diabetes, hipercolesterolemia são multifatoriais, dependendo tanto de fatores ambientais como genéticos.
É interessante como genes e ambiente se inter-relacionam na geração de um determinado fenótipo, havendo uma clara associação entre hipertensão arterial e estilo de vida. Por exemplo, a freqüência de hipertensão arterial entre negros que vivem em regiões rurais da África é muito mais baixa do que entre afro-americanos que vivem em centros urbanos dos EUA.
A determinação de genes que condicionem suscetibilidade a doenças de alta prevalência tem grande relevância clínica e deve modificar a forma como hoje entendemos e tratamos essas doenças. Da mesma forma, o tratamento de muitas doenças deve ser alterado na medida em que soubermos melhor as bases genéticas que determinam a variabilidade na resposta terapêutica.
Para as neoplasias, acredita-se que cerca 10% dos casos sejam decorrentes de mutação em um único gene, podendo ser transmitidas de forma dominante de uma geração para outra. A ocorrência de mutação em um determinado gene aumentaria muito o risco de aparecimento do câncer. Entre as neoplasias que têm sua base genética mais bem estabelecida estão o retinoblastoma e os neurofibromas da neurofibromatose tipo 1. Essas doenças podem ter herança autossômica dominante ou ocorrerem de forma isolada, em conseqüência a mutação de novo. A existência de uma mutação afetando um dos alelos de determinado gene faz com que reste apenas um alelo funcionante. Se, durante a vida, existe um "acidente" genético que ocasione perda de função de uma única cópia restante, essa célula pode adquirir uma vantagem proliferativa, que vai terminar por levar a um câncer. Na maioria dos cânceres, no entanto, não basta a perda de função de um único gene; na maior parte das vezes, é necessária uma sucessão de mutações em diversos genes localizados em diferentes cromossomos. Essas mutações se dão ao longo de anos e terminam por levar a uma vantagem proliferativa a uma linhagem celular. Essa perda de mecanismos que controlam a proliferação celular é que ocasiona o câncer.
Na prática clínica, o diagnóstico das principais doenças infecciosas como HIV, hepatite B e C, HPV e outras é feito utilizando os recursos das técnicas de biologia molecular. É possível, como rotina, para alguns desses agentes, se determinar a presença de certas proteínas específicas por Western blot, detectar e quantificar material genético por PCR ou ainda obter-se a seqüência de partes do genoma do agente infeccioso em questão. O mesmo ocorreu no campo da identificação humana, em que é possível a determinação de paternidade ou a associação entre uma amostra biológica (p. ex., sangue, cabelo, etc.) e um determinado indivíduo.
Nessas duas condições, existem técnicas padronizadas e um grande número de indivíduos que, potencialmente, podem-se beneficiar desses estudos. Dessa forma, esses exames estão na rotina de muitos laboratórios. No diagnóstico de neoplasias, especialmente leucemias, diversas técnicas de biologia molecular permitem detectar rearranjos cromossômicos e mostrar pontos de quebra bem definidos. No entanto, a maior parte das neoplasias tem sua base molecular inteiramente desconhecida. O futuro nessa área é, no entanto, bastante promissor. Prevê-se que as neoplasias sejam reclassificadas, levando em conta o padrão de expressão de genes que elas apresentam. Os chamados chips de DNA (ou DNA arrays) virão facilitar, em muito, a determinação dos padrões de expressão gênica dos tumores.
Para o diagnóstico de doenças genéticas é, teoricamente, possível se buscar mutações em todo o gene que tenha sua seqüência conhecida. Na prática, existem diversos fatores complicadores. Para muitas doenças genéticas, tendo em vista a grande diversidade de mutações e a complexidade e alto custo das técnicas empregadas, a análise mutacional é somente feita em laboratórios de pesquisa.
Referências bilbiográficas:
1)BRASILEIRO FILHO; PENA S.D. Molecular biological techniques for the diagnosis of infection diseases. Rev Soc Bras Med Trop 25(10):59-71,1992.
2) SINGH B. Molecular methods for diagnosis and epidmiological studies of parasitic infections. International Journal for Parasitology 27(10):1135-1145,1997.
3)HOPKIN JM; WAKEFIELD A E. DNA Hybridization for the diagnosis of microbial disease Quartely Journal of Medicine 75:415-421,1990.
4) HAMES B.D. HIGGINS SJ. Nulceic Acid Hybriization : A Pratical Approach 1985 Oxford England: IRL Press 245,pp.
5) SOUTHERN E.M. Detection of specfic sequencies among DNA fragments separated by gel eletrophoresis J Mol Biol 98(3):503-17, 1975.
6) BERTHOLF RL. The expanding role of molecular biology in clinical chemistry Cell Vis 5(1) :67-9,1998.
7) HODINKA RL The clinical utility if viral quantitation using molecular methods Clin Diagn Virol 10(1) : 25-47 , 1998.
8) SAIKI R.K.; GELFAND DH; STOGFFEL S; SCHRAF SJ; HIGUCHI R ; HORN GT; MULLIS KB. ERLICH HÁ Primer –directed enzymatic amplificatin of DNA with thermostable DNA polimerase Science 239 ( 4839): 487-91,1998.
9) ELLIS JT Polymerase chain reaction approaches for the detection of Neospora caninum and Toxoplasma gondii Int J Parasitol 28(7):1053-60,1998.
10) TENOVER FC Molecular methods for hte clinical microbiology laboratoryIn Manual of Clinical Microbiology A Ballows et al., Editors 1991 American Society of Microbiology, Washington DC p 119-127.
11) ZAKI SR;HENEINE W; COFFIELD LM GREER PW.; SINHA SD ;FOLKS TM. In situ polymerase chain reaction amplification : applications and current limitations AIDS v 8 p 1186-8, 1994.
12) HENEINE W; KHABBAZ RF; LAL RB; KAPLAN JE Sensitive and specific polymerase chain reaction assays for diagnosis of human T cell lymphotropic virus type I ( HTLVI) and HTLCII infections in HTLVI/II serotipe individuals J Clin Microbiol v 30 p. 1605-7, 1992.
13) BASSIT L; VANDERBOGOGHT B; DORLHIAC –LLACER PE et al., Anti –HCV c PCR positivity and HCV subtypes among screening positive bllod donors form São Paulo Brazil., Transfusion 1994; 34 ( suppl): S 151.
14) BONINO F; HOYER B; NELSON J et al., Hepatitis B virus DNA in the sera of HBs ag carriers marker of active hepatitis B replication in the liver Hepatology 1981; 1: 386-391.
15) SIMMONDS P; DAVIDSON F; LYCETT C et al., Detection of a novel DNA virus ( TTV) in blood donors and blood products Lancet 1998: 352: 191-195.
16) FERREIRA AW and AVILA SANDRA L. Diagnostico laboratorial das principais doenças infecciosas e auto-imunes. Editora Guanabara Koogan 2 edição, São Paulo ,2001.
17)OKAMOTO H; OKADA S;SUGIYAMA Y et al., Nucleotide sequence of the genomic RNA of hepatitis C virus isolated from a human carrier: comparasion with reported isolates for conserved and divergent regions. J Gen Virol 1991; 72:2697-2704